segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Espreitadela: "Apocalypse Now", A Poucos Dias


Francis Ford Coppola leva-nos para o Cambodja e para os seus rios sangrentos, autênticos campos de batalha, em plena Guerra do Vietname.

Embora cheio de pormenores e detalhes, a história é simples: a subida do rio por um barco patrulha norte-americano até ao interior da selva, para matar o Coronel Kurtz (Marlon Brando), aparentemente louco, por se ter tornado no sangrento, mas venerado líder de uma “tribo” de nativos.

Repleto de excelentes actores (Marlon Brando, Martin Sheen, Robert Duvall, Laurence Fishburne – com apenas 14 anos -, Harrison Ford, Dennis Hopper…) e densas e peculiares personagens, Coppola oferece-nos monólogos e cenários que nunca mais poderemos esquecer, desde “surf” em praias a ser bombardeadas, “coelhinhas” e poderosos “napalm” (ao som de Doors), até à tão mágica Cavalgada das Valquírias, de Wagner.

Baseado na obra Heart of Darkness, de Joseph Conrad, Coppola demorou três anos para finalizar este filme, iniciado em 1976, tendo uma segunda versão de 2001 chamada Apocalypse Now Redux, reeditado pelo mesmo, com 197 minutos, 44 minutos a mais de cenas adicionais.

Nomeado para 8 Óscares, venceu 2, o de Melhores Efeitos Especiais e Melhor Som (1980) e ganhou também a Palma de Ouro em Cannes (1979), bem como 3 Globos de Ouro (Melhor Realizador/Director: Francis Ford Coppola; Melhor Actor Secundário: Robert Duvall; e Melhor Argumento Original), entre outros prémios e nomeações.

Um filme de culto, uma obra-prima a não perder!

texto de Henrique Gomes

domingo, 30 de novembro de 2008

2/12: "Apocalypse Now", de Francis Ford Coppola (1979) - Apresentação


A HISTÓRIA:
O filme segue a missão top secret do coronel Benjamin L. Willard (Martin Sheen), encarregue de assassinar Kurt (Brando), um coronel americano no Vietname que se refugiou no coração da selva cambodjiana, depois de endoidecer (assim contam os relatórios do exército), sendo adorado como um deus pelos nativos, que formam o seu exército particular. Willard começa na foz do imaginário rio Nung e, à medida que o filme progride, ele, juntamente com a sua reduzida equipa (todos ignorantes da verdadeira missão de Willard), vão mergulhando nas trevas, enfiando-se mais e mais terra adentro, rio adiante, numa descida ao abismo da loucura do homem e da guerra.

O FILME:
Hesito no que escreva: como fazer justiça ao que é, indubitavelmente, um dos maiores filmes do cinema? Se não está entre os meus favoritos, no pequeno top7 na barra lateral do blogue, é porque me impûs o critério mentiroso de não repetir, nessa lista concisa, um único realizador, e Coppola já aparece aí representado pel' O Padrinho (1972). Não fora isso, e Apocalypse Now estaria sem dúvida naquele restrito panteão pessoal. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, a estória da produção do filme é tão mítica como o próprio, tendo dado a um famoso documentário sobre o assunto. Apocalypse Now é um livro que não cansa ler, onde se acha, a cada releitura, novos significados, novas camadas. Melhor filme de guerra de sempre que é simultaneamente melhor crítica à guerra, é uma viagem alucinante à loucura, ao homem animal, às trevas (um dos livros fundamentais para o argumento foi O Coração das Trevas, de Conrad). Não se pode subestimar um filme destes, que tem aquela que, para mim, continua a ser a melhor cena de cinema de todo o sempre, exemplo perfeito do que eu chamo "montagem intelectual sonora" (perdoem o calão cinematográfico): a cavalgada das valquírias. Clássico consumado, Brando, a meu ver, chega a superar-se aqui, com o seu Kurtz a ultrapassar o seu Corleone (mas sei que a afirmação é altamente discutível). Coppola revela aqui toda a sua mestria enquanto escritor e realizador. Tão perfeito, meu Deus, tão perfeito. Condições ideias para ver o filme: noite de verão a ferver, depois da meia-noite, com princípios de febre.

O REALIZADOR:
Coppola é universalmente reconhecido como um dos maiores realizadores de todo o sempre. A sua carreira não é linear, mas o seu espírito é o mesmo, um espírito bom e simples, um visionário lutador, um homem criança com um olhar maduro (uma juventude sem juventude, para usar o título do seu último). Coppola faz parte daquela geração milagre do cinema americano nos anos 70, dos movie brats, em que os estúdios se abriram a novas tendências, a jovens realizadores americanos influenciados pelo cinema europeu em ebulição (Spielberg, Lucas, Scorsese, Kubrick, just to name a few). Coppola foi primeiro reconhecido como argumentista, tendo ganho o Óscar nessa categoria por ter escrito Patton (1970). E depois aconteceu o milagre: O Padrinho (1972). Como tanta confiança e liberdade foram postas num indivíduo quase desconhecido só pode, de facto, merecer o nome de milagre (e basta ver os extras do filme para se perceber que a coisa não foi fácil). Depois veio o Padrinho II (1974), mas pelo meio ganhou a Palma de Ouro com The Conversation (1974). Coppola rapidamente ganhou interesse pela produção, fundando a Zoetrope, que lançou Lucas, com o seu THX 1138 (essa obra-prima esquecida, em nada semelhante ao que Lucas faria depois). Coppola triunfaria de novo com Apocalypse Now, arrecadando a Palma de Ouro. Em 1982, porém, Coppola cavou a sua cova, lançando One From The Heart, um musical em que se investiu completamente. O filme foi um fracasso total e obrigou Coppola a realizar vários filmes durante as duas décadas seguintes para pagar as suas dívidas (são destas décadas que datam a maioria dos seus filmes ditos menores, ou mesmo fracos). Os anos 90, no entanto, veriam um certo ressurgir da sua popularidade, com o Padrinho III (1990) e Drácula (1992). Estes filmes salvaram-no da bancarrota. Muito recentemente realizou Segunda Juventude (2007), um filme íntimo, independente e pessoal. Encontra-se de momento a trabalhar em Tetro, com estreia prevista para 2009 e que se imagina um regresso às grandes sagas de família, com Buenos Aires como pano de fundo.

O TRAILER:

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

25/11: "O Meu Pai Partiu Em Viagem De Negócios", de Emir Kusturica (1985) - Apresentação


O FILME:
O título do filme é na realidade um eufemismo: por causa da conturbada relação entre a Jugoslávia e a URSS (que se consolidaria numa cisão oficial entre os dois países), nesse período perigoso, vários cidadãos "desapareciam" a meio da noite (levados pela polícia política, claro). Um deles é Miki Manojlovic, o pai de Moreno D'E Bartolli, de seis anos. A estória é contada do ponto de vista do miúdo. Quando Manojlovic, funcionário do ministério do trabalho, "desaparece", a sua família reage com orgulho, assegurando o rapaz e toda a gente que ele está simplesmente "em viagem de negócios". Na realidade, este encontra-se preso pelas suas aventuras sexuais. O filme acompanha as tribulações da família e os esforços para sobreviver na miséria comunista.
(traduzido e adaptado daqui)

O FILME:
O filme, a segunda metragem de Kusturica, permitiu-lhe arrecadar a Palma de Ouro em Cannes (a sua primeira). O sucesso do filme foi tal que foi inclusive nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e para o Globo de Ouro na mesma categoria.

O REALIZADOR:
[ver post anterior]

O TRAILER (em sérvio, sem legendas: é o melhor que se arranja!):

domingo, 16 de novembro de 2008

18/11: "Underground - Era Uma Vez Um País", de Emir Kusturica (1995) - Apresentação

A HISTÓRIA:
Não é ao acaso que o filme é subintitulado Era Uma Vez Um País. Underground é, acima de tudo, um relato tragicómico, em forma de sinédoque, do destino da Jugoslávia a partir da II Guerra Mundial até ao presente (em que o presente é, aqui, 1995, obviamente). É como que um épico nacional, uns lusíadas filmados. A acção centra-se em dois amigos em que um engana o outro, não lhe revelando que a II GM acaba, antes insistindo nessa ficção (à la Goodbye, Lenin!). O enganado vive debaixo de terra, num refúgio anti-aéreo onde, juntamente com toda mais uma tribo, se dedica a produzir armas para a resistência (resistência nenhuma, que a guerra já bateu a bota há muito). O amigo que ficou na superfície aproveita-se desta produção alternativa e barata para entrar no tráfico de armas, enriquecer e conquistar um lugar na vida pública. O filme é, naturalmente, muito mais que isto, uma viagem por um país e pela geografia das almas tresloucadas e ciganas daquelas gentes. O que acima se disse é como que um pontapé de saída, a premissa básica da coisa: o filme, esse, é um delírio que explode em todas as direcções todas as emoções.

O FILME:
Underground valeu a Kusturica a segunda Palma de Ouro, depois de O Meu Pai Partiu Em Viagem De Negócios (a exibir para a semana). Raríssimos são os realizadores que se podem orgulhar de tal feito. Com praticamente três horas de duração, o filme tinha inicialmente 320 minutos (aliás, ele foi exibido como um mini-série de cinco horas na TV sérvia). Hoje universalmente reconhecido como uma obra-prima, o filme de Kusturica é incontornável.

O REALIZADOR:
Kusturica, nascido em 1954 em Sarajevo, é muito possivelmente o realizador mais conhecido dos Balcãs e aquele que lhes tirou melhor o espírito para o pôr nos filmes. O seu início de carreira foi assaz auspicioso: com o seu primeiro filme, Lembras-te de Dolly Bell? (1981), ganhou o Leão de Ouro em Veneza (pronto, há gente que tem sorte - ou génio); com o seu segundo, O Meu Pai Partiu Em Viagem de Negócios (1985), ganhou a Palma de Ouro. Seguiram-se dois dos seus maiores (caramba que na filmografia dele é difícil achar menores): Underground e Gato Preto, Gato Branco (1998), que o tornou num ícone pop entre os jovens ocidentais, promessa que seria confirmada com A Vida É Um Milagre (2004). Ainda não lançado em Portugal, Promise Me This (2007) não tem conhecido o sucesso dos anteriores, bem pelo contrário. Já este ano lançou um documentário sobre Maradona (exibido em Portugal no DocLisboa). Nada se conhece ainda do próximo projecto. Nota final (repare-se no uso da palavra apropriada, «nota»): Kusturica, o músico.

O TRAILER:

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

11/11: "A Dama de Xangai", de Orson Welles (1947) - Apresentação

A HISTÓRIA:
Michael O'Hara, um marinheiro (interpretado por Welles), é contratado como membro da tripulação do iate de um abastado advogado, Banister (Everett Sloane). A mulher deste, a bela mas misteriosa Elsa (Rita Hayworth), já travara conhecimento com O'Hara, que a havia salvo de ser assaltada, aquando da chegada desta a NY. O casal encontra-se a caminho de São Francisco via Canal do Panamá. O que se segue é uma complicada intriga, em que O'Hara, apesar da sua inocência, se vê acusado de assassínio. O argumento, aparentemente simples e até curriqueiro (quantos filmes já não partiram da premissa do homem falsamente acusado?), esconde na realidade uma estória intrincada, que os espectadores nem sempre têm facilidade em perceber, pela sua complexidade (ou simplesmente, como já alguém argumentou, porque Welles, preocupado com os aspectos técnicos e a beleza das imagens, pura e simplesmente não deu ao guião a atenção necessária).

O FILME:
Incursão de Welles pelo bom género do film noir, o filme merece que se conte a sua lenda. Estando, na altura, a trabalhar numa adaptação cómica da Volta ao Mundo em 80 Dias para teatro, Welles, que precisava urgentemente de dinheiro, telefonou ao presidente da Colombia Pictures, pedindo $55.000, prometendo, em troca, escrever, realizar e produzir um filme para ele gratuitamente. Na ocasião, sob a pressão do momento, sugeriu que o filme fosse baseado no livro que a empregada da bilheteira se encontrava a ler na altura - A Dama de Xangai - que ele próprio, de resto, nem sequer lera antes. Diga-se de passagem que os estúdios da Colombia Pictures não ficaram muito satisfeitos com o resultado final, cortando cerca de uma hora da versão original do realizador. Mas a estória do filme não termina: supostamente parte desses cortes ficaram a dever-se ao caso Dália Negra (conhecido de muitos graças ao penúltimo De Palma), pois parece que várias dessas cenas cortadas faziam referências a um caso semelhante (isto continua a acontecer: a estreia de V for Vendetta (2006) foi adiada por causa dos atentados de Londres).

O REALIZADOR:
Orson Welles (1915-1985) é considerado universalmente um dos maiores génios de sempre da sétima arte, com Citizen Kane (1941) - a ser exibido pelo CADC Cinema já na próxima semana, dia 4/11 - a ser considerado repetidamente por muitos críticos como o melhor filme de sempre (discordamos, mas reconhecemos a tremenda genialidade da obra). Welles é também conhecido pela maioria das pessoas pela sua celebérrima adaptação radiofónica da Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, que pôs meia américa a fugir de uma falsa invasão de marcianos. Com uma personalidade larger-than-life, o seu breve casamento com Rita H., foi particularmente mediático. Mau grado o seu sucesso póstumo, a verdade é que, em vida, foi sempre um outsider, tendo sempre de lidar com problemas de falta de dinheiro ou estúdios patetas e caprichosos. Welles não foi muito feliz, de facto, e acabou a vida obeso como um pavaroti. As suas obras e sua lenda, porém, continuam, inspirando todo aquele que delas se aproxima.

O TRAILER (não é grande espingarda, mas dêem o desconto: acham quem em 1947 eles sabiam fazer trailers?)

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

21/10: "O Homem Elefante", de David Lynch (1980) - Apresentação

A HISTÓRIA:
Dramalhão pesado, O Homem Elefante baseia-se no caso real de Joseph Merrick (no filme chamado de John), que sofria de uma doença que lhe desfigurava completamente o rosto. Mostrado em feiras como uma curiosidade (monstro, aliás, etimologicamente, vem daí: é aquilo que se mostra; monstrare em latim), é resgatado por um médico que, movido primeiro meramente por um interesse clínico no seu caso, acaba por desenvolver uma real compaixão para com a situação de John, que se revela, de resto, profundamente culto e intruído. O filme relata a relação dos dois e o processo de aceitação (ou não) de Merrick na sociedade.

O FILME:
Altamente bem sucedido, a segunda longa-metragem de Lynch foi nomeada para oito Óscares, incluindo Melhor Filme, Melhor Actor e Melhor Montagem. A caracterização de John Hurt (Merrick) era de tal forma impressionante que a Academia resolveu, daí em diante, instituir um Óscar para o Melhor Make-up (tudo tem uma história). Vencedor do BAFTA para Melhor Filme, O Homem Elefante é louvado como um dos melhores de Lynch e a deixa (também tagline) "I'm not an animal! I'm a human being!" é frequentemente listada entre as melhores falas de sempre.

O REALIZADOR:
[ver post anterior]

O TRAILER:

sábado, 4 de outubro de 2008

14/10: "Uma História Simples", de David Lynch (1999) - Apresentação

Até ao Natal corremos o nosso ciclo dedicado a grandes realizadores. O nosso objectivo foi, tanto quanto possível, escolhendo dois filmes de um realizador importante, mostrar como este podia produzir obras assaz diversas. Não significa isso, de modo algum, que tenhamos então, de forma fácil, escolhido, para cada realizador, uma comédia e um drama; apenas quisémos proporcionar dois olhares distintos sobre a obra, permitindo ao espectador entender a complexidade do homem e do seu trabalho. É essa multiplicidade de géneros e abordagens que, no fundo, define um grande realizador. O primeiro escolhido: Lynch.

A HISTÓRIA:
O filme centra-se na personagem de Alvin Straight (o que proporciona a brincadeira do título original: The Straight Story - Uma História Simples mas também A História de Straight), que, depois de saber que o seu irmão - de quem há muito se desligara emocionalmente - sofreu um avc, resolve ir visitá-lo, na esperança de conseguir falar com ele antes que morra. Alvin, um veterano da II Guerra Mundial, não tem, contudo, devido à sua insuficiência motora e a problemas de visão, possibilidade de ter uma carta de condução, pelo que resolve fazer toda a longa viagem de 240 milhas num pequeno tractor de relva. O filme acompanha a sua odisseia e os seus múltiplos encontros pelo caminho.

O FILME:
Filme profundamente atípico dentro da filmografia lynchiana (foi distribuído pela Walt Disney, imagine-se!), Uma História Simples estreou em Cannes e é a única película de Lynch cujo próprio não escreveu. Richard Farnsworth foi nomeado para o Óscar de Melhor Actor - perdeu aí, mas ganhou o Independent Spirit Award pela sua comovente e verídica encarnação de Straight.

O REALIZADOR:
Resumir Lynch em poucas palavras é difícil. Homem ds sete ofícios, realizador, argumentista, músico, pintor, ele é o responsável por Twin Peaks, série que, por sua vez, é responsável por todas as boas séries que tivémos/temos esta década (a começar por Lost, cujos criadores se ajoelham perante o mistério da morte de Laura Palmer). Realizador de culto, li um dia num qualquer blogue de cinema (perdoe-me o escriba cujo nome não lembro agora) que a sua cabeça devia ser como a Disneyland, mas ao contrário. Criador de filmes estranhos, oníricos e profundamente pessoais e inesquecíveis, é o responsável por obras como Mulholland Drive (2001) e Inland Empire (2006), apenas para referir os seus dois mais recentes sucessos. A sua consagração, porém, aconteceu com Blue Velvet/Veludo Azul, em 1986. Várias vezes nomeado para o Óscar, ganhou a bem melhor Palma de Ouro com Coração Selvagem (1990). Entendam-se estas linhas como apenas uma introdução à personagem: ao cinéfilo deixamos a tarefa de descobrir essa peculiar, mas fundamental obra.

O TRAILER: